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Cor de pele

  • jacmoreira2001
  • 5 de dez. de 2024
  • 4 min de leitura

Estou em São Tomé e Príncipe há 2 meses e meio. É a primeira vez na minha vida que vivo fora de casa dos meus pais, primeira vez  que vivo no estrangeiro, primeira vez que estou tão longe de casa geograficamente, primeira vez em África (minto, já  estive em Marrocos, que é uma África diferente). Estou totalmente afastada dos meus costumes, deslocada da minha realidade. Sinto que caí de uma nave espacial e que aterrei noutro planeta. Se no início o sentimento era muito de deslumbre com uma realidade paralela, agora há um grande sentimento de deslocada que habita em mim. Por muito que acredite que a cor da pele é apenas uma cor e de que somos todos iguais, esta realidade está constantemente a mostrar-me que essa igualdade ainda é uma utopia formada na minha cabeça e que é mentalidade de europeu. Por muito que eu queira mostrar que não me sinto diferente, o sistema daqui prova-me que para eles, sou diferente. 

Tenho tentado integrar-me ao máximo nesta cultura e experienciar, dentro do possível, o estilo de vida desta comunidade. O facto de viver na única casa com água corrente, casa de banho e paredes que não são de madeira desta vila, dificulta a experiência de um estilo de vida igualzinho ao dos locais. E mesmo que vivesse numa casa igual às outras e tivesse de lavar a loiça e a roupa no rio, ir buscar água à fonte todos os dias (ou melhor: nos dias em que há água a correr na fonte), tomar banho de caneca e tivesse de fazer as necessidades no mato, como 99% das pessoas desta vila, não iria experienciar na totalidade o seu modo de vida porque para mim seria sempre apenas uma experiência, para eles é uma vida. 

 No entanto, quanto mais convivo com a comunidade, mais diferente me sinto. E o que é mais estúpido é que essa diferença é baseada numa simples cor. Numa simples característica genética que ninguém controla e que, por motivos históricos, separa um povo. 

No outro dia, depois de muita insistência minha, em casa de uma família local, lá me deixaram arranjar o peixe para o almoço. Tal como as outras mulheres da família, eu estava descalça. A mãe assim que reparou disse “ A Joana não pode estar descalça!”, ao que eu respondi “e porque não, se vocês estão?”, ao que ela me responde “ mas nós somos negras”. 

No dia seguinte a esse almoço fui ajudar uma menina a lavar a loiça no rio. No início levei com vários olhares (aos quais eu já devia estar habituada, mas ainda me incomodam) e ouvi coisas do género, “ branca não sabe lavar no rio “ , “ em Portugal é uma máquina que lava”, “ o pé da branca não aguenta esta água”. 

Ontem quis comprar um bolo a uma menina que estava a vender uma caixa cheia deles, mas não tinha troco para me dar. Sugeri que fosse destrocar o dinheiro e enquanto isso eu ficava a vender por ela. Foi o que fiz, mas ouvi coisas do género “Branca não vende, isso é vergonha.”, “ Branco tem dinheiro, não pode vender.”


 É mais que óbvio que não fazem por mal, é uma questão cultural e de educação. Certamente cresceram a ouvir estas coisas e por isso pensam assim. Mas todos estes episódios, combinados com todos os olhares que me dirigem na rua e especialmente em ambientes onde sou a única “branca” (como por exemplo na missa) e a impossibilidade de passar despercebida fazem-me sempre sentir diferente, e isso deixa-me desconfortável. 

No entanto, este desconforto que sinto não é nada comparado ao desconforto que estas pessoas sentem diariamente pelo estilo de vida que levam. O meu desconforto vem do facto de eu ser privilegiada e vir de uma sociedade muito mais favorecida socialmente que esta. Posto isto, não tenho coragem de me queixar. Tudo isto faz parte desta experiência e tudo o que possa sentir de menos bom, são sentimentos que vêm de um lugar de privilégio e eu tenho noção disso.


As saudades de casa já começam a apertar. Na verdade, nunca estive tanto tempo tão longe de casa. E, como não estou propriamente num país europeu, a simples ideia de ir ao cinema, ao centro comercial, comer qualquer coisa que não seja peixe frito com arroz e fruta, conduzir numa autoestrada, tocar piano, ver as iluminações de natal da baixa lisboeta, andar de comboio, de autocarro, de metro, sentir frio, abraçar a minha família são tudo coisas que me parecem ainda muito distantes no tempo. E isso custa.


E depois não custa. Não custa nada quando penso que não sei quando é que vou voltar a ter a oportunidade de ter uma experiência destas e de realizar assim um sonho. Não custa porque não troco as ondas perfeitas de São Tomé pelas de Portugal. Não custa porque não troco a fruta e o peixe daqui pela fruta e o peixe de Portugal. Porque sei que vou ter muitas saudades da sensação de estar na parte de trás de uma mota minúscula na única estrada do país, sem qualquer segurança e ter de depositar toda a minha confiança naquele motorista Santomense,  sentir o vento forte na cara, olhar para cima e tudo o que consigo ver (quando o vento me permite abrir os olhos) ser a parte de cima do capacete do motoqueiro, palmeiras e o céu estrelado. Não custa quando penso que daqui a menos de 3 meses vou deixar de ter viagens de Hiace onde cabe SEMPRE mais um, onde, muito apertadinhos, experienciamos um calor humano e um  sentido de comunidade que nem à hora de ponta num autocarro da Carris a sair do Marquês de Pombal experiencio. Não troco a sensação de entrar no mar e nunca sentir frio, de surfar sem fato e ficar com os joelhos arranhados do wax da prancha. Vai me fazer muita falta o sabor do cacau, da manga Santomense, dos cozinhados da Dália, dos abraços das minhas meninas. Vou ter saudades de viver na “ilha do leve leve” onde nada é uma preocupação, onde o tempo é relativo  e tudo se resolve.  Acima de tudo, não me custa nada porque estou rodeada de pessoas boas. Pessoas que, apesar de todas as barreiras culturais, me mostram amor e carinho todos os dias. 

O que falta aqui em desenvolvimento, abunda em natureza, tranquilidade, comunidade, cultura, beleza e amor.





 
 
 

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1 comentariu


marioamoreira
05 dec. 2024

Filhota,

Adoro ler os teus comentários.

Escrever sobre o que sentimos é um misto de emoção e razão, pois as ideias saem diretamente do coração mas são modeladas pelas regras e condicionantes da escrita e dessa combinação resultam coisas lindas e que refletem a sério o que vivemos.

E gosto porque é a forma melhor de saber o que estás a viver.


Seguramente que é tudo muito forte, o bom e o menos bom. As raizes das diferenças culturais que descreves são muito antigas e são a prova de que só a passagem do tempo não resolve os problemas. O "Sempre foi assim" não quer dizer que tenha de continuar sempre assimj k


T. Não és melhor nem pior do…

Apreciază
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